A mente da preguiça lhe falará com intimidade, aconselhando-o
como se fosse um verdadeiro amigo. Sussurrando em seu ouvido, atraindo-o, ela
lhe promete prazer e satisfação sem nenhum esforço de sua parte. Mas, esta
mente da preguiça jamais lhe diz que, para alcançar o que ela tem a lhe
oferecer, você precisa desistir de tudo o que tem valor real e duradouro. Tudo
isto é retratado na seguinte história:
Lelo Sempra e Tsondru Nyidpa eram dois irmãos que, não há
muitos anos, viviam no Tibete. Chegada a hora de saírem pelo mundo em busca de
sua fortuna, puseram-se a caminhar juntos. Lelo, o mais velho, era ótimo
conversador e, frequentemente conseguia o que queria graças a essa
habilidade. Tsondru, embora não tão
esperto quanto o irmão, era forte e de bom coração, disposto a trabalhar com
afinco para atingir seus objetivos.
Enquanto viajavam, os irmãos muitas vezes caminharam vários quilômetros
em silêncio. Durante essas jornadas, Tsondru planejou uma estratégia para
realizar seu objetivo: Iria procurar trabalho numa cidade grande e economizar o
suficiente para comprar sua própria loja. Por sua vez, Lelo passou horas em
silencio sonhando com a vida agradável que almejava: uma vida cheia de
riquezas, com muito conforto e amigos dedicados. Quando não estava sonhando com
o futuro, Lelo caminhava quilômetros saboreando a lembrança de ocasiões felizes
do passado. Ao compartilharem entre si seus pensamentos, Tsondru falava a Lelo
de suas ambições, e Lelo dava a Tsondru conselhos sobre como realizar seus
objetivos.
Era enorme o entusiasmo de Tsondru, sempre disposto a fazer o
que precisava ser feito. Ao acamparem, a cada noite, era Tsondru que apanhava a
lenha para o fogo e preparava o jantar, enquanto Lelo ajudava com observações como:
“Se você juntar mais gravetos, o fogo aumentará e nosso arroz ficará pronto
mais depressa”. As recomendações de Lelo
eram tão úteis que Tsondru nem percebia serem estas as únicas contribuições
feitas pelo irmão.
Lelo, por sua vez, não deixava de levar em conta o espírito
empreendedor e sempre bem-disposto de Tsondru e, aos poucos, percebeu que uma aliança
lhe garantiria facilmente a realização de seus sonhos de uma vida abastada e
folgada. Um dia, sugeriu a Tsondru:
- Quando chegarmos a cidade, irmão, vamos ficar sócios num
negócio; juntos certamente seremos muito bem-sucedidos.
Tsondru refletiu sobre a proposta enquanto caminhavam e
finalmente respondeu:
- Você é perspicaz e dotado de muito bom-senso. Creio que
será uma decisão acertada trabalhar com você.
E assim firmaram o trato.
Chegaram por fim os irmãos a Shigatse, uma grande cidade
tibetana, cheia de burburinho de tente tentando ganhar a vida. Decidiram ficar
lá, e Tsondru imediatamente começou a pensar em trabalhar.
Lelo, porém, achou que precisava de tempo para conhecer
melhor a cidade e investigar todas as possibilidades, antes de pôr mãos à
obra. Desse modo, Tsondru saiu sozinho e
logo arranjou trabalho. Sua renda era suficiente para o sustento de ambos, mas
não sobrava nada para economizar. Crendo que Lelo logo arranjaria trabalho,
Tsondru sustentava o irmão com satisfação.
Dentro de pouco tempo, as maneiras afáveis e espirituosas de
Lelo trouxeram-lhe muitos amigos e a pequena casa que compartilhava com Tsondru
não raro se enchia de gente. A cerveja jorrava em abundancia e as conversas
eram animadas.
Tsondru trabalhava bem e em consequência o patrão o aumentou,
mas as despesas com as festas do seu irmão consumiam toda a renda.
Vez por outra, um dos amigos dos irmãos chamava Tsondru a parte
e lhe mostrava delicadamente que Lelo pouco contribuía em suas vidas.
- Será que ele vai encontrar trabalho? Perguntava o amigo.
Quais são os planos dele?
Essas perguntas deixavam Tsondru confuso e ansioso, mas
defendia o irmão dizendo:
- Lelo precisa de tempo para encontrar uma posição que seja
boa de verdade. Além disso estamos sempre rodeados de boa companhia.
E quando Tsondru questionava Lelo sobre o assunto ele sempre
conseguia acalmar Tsondru com suas belas e sabias palavras.
Pouco tempo depois o patrão de Tsondru entrou em dificuldades
financeiras e teve que obrigado a encerrar seus negócios e despediu Tsondru.
Pensativo, Tsondru sentou em uma casa de chá para refletir.
Enquanto estava perdido em seus pensamentos, um jovem aproximou-se e perguntou se
podia compartilhar sua mesa. Tsondru ofereceu o lugar ao rapaz e perguntou seu
nome.
- Chamo-me Gewa Chskyi e acabo de chegar a Shigatse. Tenho planos de encontrar um trabalho e
economizar dinheiro suficiente para abrir um pequeno negócio.
Os olhos do jovem brilhavam, sua personalidade era dinâmica e
cheia de entusiasmo. Era fácil perceber que ele certamente conseguiria atingir
seus objetivos. Seu entusiasmo certamente contrastava com o vazio e a
melancolia que enchiam o coração de Tsondru.
Então Tsondru se deu conta que havia perdido uma preciosa
oportunidade. Exatamente como o Jovem Gwa, tivera grande ambição e ansiara por
ter seu próprio negócio, pelo êxito no trabalho e pela satisfação e contentamento
que seus esforços lhe trariam.
Por alguma razão, porém, as coisas não saíram como ele
planejara. Ali estava ele, sem emprego, não era mais jovem e tinha realizado
pouco em sua existência.
Quanto mais refletia, mais compreendia que a influência de
Lelo se achava na raiz do seu vazio. Lelo prometera contribuir muito, mas na
verdade, apenas tomara tudo de Tsondru. Pouco a pouco fora consumindo o tempo e
a energia de Tsondru, minando os seus planos de vida.
Voltando para Gewa, Tsondru lhe disse:
- Quero lhe dar um conselho: Não sei onde você pode encontrar
trabalho, mas encontre-o depressa e trabalhe com afinco. Não deixe que a
palavra dos outros o afaste do seu objetivo. Se insistirem para você aumentar
seu tempo de folga, ou disserem que você trabalha demais, não de ouvidos – não são
bons amigos. Em vez disso, ouça seu coração e seu objetivo, siga o que ele diz.
Depois, quando chegar a minha idade, você estará mais do que contente – sua vida
será plena e rica, e seu coração orgulhoso e confiante. Mesmo que você perca a
riqueza que conquistar, ainda assim irá prosperar porque possuirá o tesouro da
satisfação profunda e da apreciação da vida.
Despedindo-se do rapaz, Tsondru tomou a decisão de conversar
seriamente com seu irmão Lelo. Diante de
Lelo Tsondru contou que perdera o seu emprego e se dera conta que já não eram mais
jovens e cheios de vigor e que a vida que levavam não lhes daria realmente
nada. Contou que decidira deixar Lelo e seguir sozinho sua vida, pois ainda lhe
restavam forças para trabalhar e recomeçar seus planos.
Lelo então tomou-se de raiva e acusou Tsondru de traí-lo e
abandona-lo para buscar seus objetivos de forma egoísta. Acusou o patrão de Tsondru e pôs a culpa em
tudo e em todos, mas não levou em conta que foi sua própria preguiça a origem
de todos os problemas.
Tsondru partiu e se estabeleceu em outra cidade. Em poucos
anos havia poupado o suficiente para abrir seu próprio negócio com o qual tanto
sonhara e em breve tempo tornou-se prospero e bem considerado. Enquanto isso,
Lelo passou o resto de sua vida perambulando de cidade em cidade, contando
histórias nas tabernas, em troca de alimento e companhia.
Na língua Tibetana, a palavra Lelo significa Preguiça, e
Tsondru significa Vigor. Ambas as qualidades são inatas em todos nós,
cabendo-nos escolher qual delas iremos cultivar em nossa vida cotidiana.
A mente da preguiça finge ser nossa amiga, oferecendo-nos
conforto e prazer; na verdade, porém, vá aos poucos consumindo os sonhos que nos
são mais caros, oprimindo-nos tanto que mal conseguimos nos mover.
Ela é o maior obstáculo no nosso progresso espiritual. Quando
nos aprontamos para o trabalho, a mente da preguiça diz-nos para esperar,
descansar um pouco, ou fazer uma outra coisa, pois haverá tempo mais tarde para
tal atividades. Essa mente parece sempre sensata e, como Tsondru, podemos ser
hipnotizados pela sua “logica da preguiça”.
Mas podemos dar as costas a preguiça e ouvir a sabedoria de
nossa natureza interior. Desenvolvendo a força e o vigor, perseguindo
pacientemente nossos objetivos. Podemos resistir as tentações de Lelo.
Podemos nos propiciar a confiança que advém do uso produtivo
de nossas energias. Quando nos desvencilhamos da mente da preguiça, não há
limites para o que podemos realizar.
Extraído do Livro : A Mente Oculta da Liberdade - Tarthang Tulku
Sim. Boa noite. Por que então muitos que se posicionam como "evoluídos"; ou mesmo assumem uma postura dupla, ou seja, na sociedade se comportam como perfeitos; enquanto que com seus pares são cruéis e frios? Talvez porque estejam ouvindo o ego da preguiça, e não a sabedoria de suas verdadeiras naturezas.
ResponderExcluirE além disso, idolatram seus egos e não se permitem mudar e reconhecer os próprios erros? Creio que será preciso um choque de realidade. E que venha com a velocidade da luz!
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