A Verdade.
Eu pondero que a Verdade realizada plenamente é a Justiça.
E a Justiça é como o Sol, o céu pode ficar nublado por algum tempo, ocultando o Sol, mas, mais cedo ou mais tarde o Sol brilhará sobre tudo e todos.
Estipula-se
que Platão escreveu uma de suas obras-primas, A República, no
século quarto antes de Cristo, algo como 375 a.C.. A temática deste
verdadeiro monumento literário, em linhas gerais, é uma profunda
reflexão sobre o que é a Justiça. Platão escrevia sob a forma de
diálogo, e neste contexto os personagens debatem sobre uma questão
importante e seus desdobramentos. A Justiça é um tema tão
significativo, que neste diálogo sobre ela, inúmeras situações
vão se ramificar. Hoje vamos tratar de um aspecto em especial, que
anuncio como: a mulher guerreira ou guardiã.
Na República, Platão, com a intenção de descobrir o que é a Justiça para um ser humano, entende que se ele pegar o exemplo de uma cidade, que é muito maior do que um indivíduo, será mais fácil analisar a questão, então se cria uma cidade imaginária e vão sendo tecidos diversos experimentos racionais. Parte central do objetivo é chegar ao ideal de uma cidade justa, o que permitiria entender também o ser humano justo. É importante destacar que não se deve interpretar literalmente os raciocínios propostos por Platão, contudo não vamos entrar em suas complexidades. Vamos citar, em específico, que uma figura central na cidade ideal de Platão é o guardião. O guardião precisa possuir a excelência da arte da guerra mas também ter profunda sensibilidade filosófica para entender e apreciar o que está guardando. Como alguém poderia ser eficiente em guardar algo que não compreende? E, justamente relativamente a esta função de máxima importância, de proteção da cidade justa, Platão diz que as mulheres que tiverem aptidão para a arte da guerra devem participar também. Devem ser, ao lado dos guardiões, guardiãs da Justiça. Na época de Platão e na sociedade grega, os direitos e o papel das mulheres eram precários, e é por isso que ao anunciar esta ideia, de que as mulheres poderiam e deveriam ocupar funções de grande importância na cidade justa, Platão comparou a dificuldade do assunto com uma grande onda no mar, isto é, uma grande força de oposição. Na República Platão não vê a mulher e o homem como iguais, e se ponderarmos é claro que há diferenças, o ponto é que tanto uma mulher quanto um homem, apesar de suas diferenças, podem ter habilidade para a mesma função.
Platão
nos diz que a mais alta posição da cidade, a que a governa, deve
ser ocupada por um filósofo. Entretanto não nos enganemos, filósofo
aqui designa um indivíduo iluminado pela Verdade e realizador da
Justiça. Não se trata de um intelectual conhecedor de livros e
doutrinas, mas de alguém que busca a Verdade e já compreendeu em
nível prático algo de sua realidade. Comparando com os termos
usados no Ocultismo, os de Iniciado e Adepto, o que Platão chama de
filósofo, é algo como um Adepto. Pois o Iniciado é aquele que
passa a conhecer uma ideia nova enquanto o Adepto é aquele que
realiza esta ideia de forma plena. Portanto o filósofo na cidade
platônica representa o mais alto grau de esclarecimento e
realização, e por isso deve ocupar a posição mais alta, uma vez
que é o mais apto. Neste ponto também, Platão nos diz que a mulher
poderia ocupar esta função, caso se demonstrasse apta. Portanto
aqui temos a ideia da mulher como guerreira, guardiã e filósofa.
Como
é de conhecimento comum, muitos problemas e dificuldades ocorreram
ao longo da história conhecida, relativamente ao reconhecimento do
valor, do direito e da realização da mulher na sociedade humana.
Portanto, o meu objetivo hoje é homenagear e resgatar a memória de
uma mulher de grande valor, conectada a nossa tradição esotérica e
ocultista. Que ao meu ver, de fato foi uma guerreira em sentido
espiritual, poderosa guardiã de ensinamentos de grande valor para
todos nós, e certamente filósofa em sentido metafísico profundo.
Estou falando de Emilie Cady, médica homeopata e escritora
metafísica americana que viveu entre 1848 e 1941.
Emilie
Cady escreveu um belo artigo inicial cujo sentido se inspira no salmo
91, no qual está a ideia de “morada do Altíssimo” ou
“esconderijo do Altíssimo”. Podemos citar o belíssimo versículo
4 deste salmo que pode ser traduzido como: “Ele te cobrirá com
Suas penas, e sob Suas asas encontrarás abrigo; Sua verdade é
escudo e couraça.”. Podemos interpretar em sentido esotérico ou
ocultista como um estado mental em que estaremos sob a guarda Divina,
sendo as asas um poder que eleva e nos coloca neste local Divino e
Seguro. Mais adiante também no versículo 9: “Pois disseste: “O
Eterno é meu refúgio”; fizeste do Altíssimo tua morada.”(estas
são traduções aproximadas cotejadas com o hebraico). Nos dando,
então, a ideia de que podemos habitar no “Altíssimo”. O artigo
que a Emilie escreveu tem o seguinte título: “Finding the Christ
in Ourselves” ou “Encontrando o Cristo em nós mesmos”.
Neste
contexto o Cristo designa a Divindade em cada um de nós, o que toca
esta crença profunda e importantíssima, de que dentro de cada ser
humano existe algo plenamente puro e Divino, entretanto trata-se de
algo, na maior parte dos casos, em estado de potência, isto é,
ainda não manifestado. Exemplarmente, ao olhar uma semente podemos
entender que ali está todo o potencial do que poderá vir a ser uma
árvore. Assim o próprio termo ocultismo encontra sua significação
como o ser humano oculto ao próprio ser humano, ou ainda uma
essência que habita no âmago do ser humano, na qualidade de um
modelo a ser desenvolvido, ou um tesouro ainda encoberto e desta
forma em estado latente. Justamente o termo esoterismo também
significa este algo interno e oculto. Mas não devemos pensar
necessariamente oculto como dentro do corpo físico humano, a
tradição ocultista pensa que esta essência está ancorada no corpo
físico mas não está plenamente no corpo físico. Pois trata-se de
uma espécie de região superior, é um local especial, algo como um
céu próprio, cada ser humano neste sentido carrega com sigo o seu
céu ou paraíso, mas também o seu inferno, entendido como
decadência e ignorância, tudo isso em sua própria constituição.
Quando estudamos a fundamental metáfora da escada Divina, esta
subida ao Sagrado é uma subida a uma região que faz parte de nós
mesmos. A propósito, em consonância com estes pensamentos, está o
interesse e a proposta da Emilie neste seu artigo inaugural.
Procurando nos ensinar a subir os degraus que nos levam a “Morada
Secreta do Altíssimo”. Vejamos um pouco das palavras da própria
Emilie Cady, em um de seus livros com o mesmo tema:
“Quem
quer que sejas, tu que lês estas palavras — onde quer que estejas
no mundo, seja sobre um púlpito pregando o evangelho, seja no mais
humilde lar, buscando a Verdade para manifestá-la numa vida mais
doce, mais forte e menos egoísta —, saiba, de uma vez por todas:
não
és tu quem busca a Deus, é Deus quem te busca.
Aquilo que sentes e desejas como uma manifestação mais plena é a própria Energia Eterna — a que sustenta os mundos em suas órbitas — impulsionando-se através de ti para vir à expressão mais completa.”(Esta é uma tradução própria).
Este trecho pertence a obra cujo título é Lessons in Truth ou “Lições sobre a Verdade”. E está na Nona Lição que se chama, Encontrando o Lugar Secreto. Aqui podemos ver que Emilie Cady se dirige a todos, isto é, sem exceção, dizendo que existe uma força interna especial querendo se manifestar, entretanto, como ela procura explicar, nós precisamos nos colocar em certas condições para entrarmos em contato que essa dimensão espiritual própria.
Neste
ponto deste livro ela irá explicar a importância do “entrar no
silêncio”, contudo é preciso discernir que ela se refere a um
“silêncio mental”, ou a cessação de atividades intensas e
desgovernadas em nossas mentes. Neste tipo de estado podemos entrar
em uma espécie de comunhão com este algo essencial dentro de nós
mesmos, e é nestas circunstâncias que a chamada “voz interna
fala”. A aparente incoerência entre “silêncio mental” e “voz
interior” é realmente apenas aparência, pois o silêncio da mente
permite que algo interno se expresse, no entanto de uma forma muito
diferente da fala humana. Mais do que uma teoria a ser exposta, esta
ideia é uma proposta de prática mística, cujo objetivo é que cada
indivíduo tenha a sua vivência. Seguindo este raciocínio,
certamente sempre existirão leis gerias que regem a realidade e são
as mesmas para todos os caso ao longo do tempo. Ou mesmo quem sabe
fora do tempo. Mas cada um de nós precisa fazer o seu caminho de
descoberta que será muito particular, justamente em função das
características de cada um.
Estas
ideias que a Emilie Cady nos traz são as mesmas dos ensinamentos
orientais, como encontramos, por exemplo, em nosso querido Swami
Vivekananda. Talvez a distinção esteja no fato de que a Emilie traz
uma outra linguagem e enfoque prático, diferenciados. Contudo a
ideia e o valor do silêncio da mente é a mesma. Pois não se trata
de uma invenção da imaginação humana, mas de descrever leis
naturais que regem a mente e tocam o que está imediatamente além
desta. Enfatizo que não considero a mente humana um problema, pois
ela é um instrumento e uma parte da realidade. A complicação
começa a surgir se usarmos esta ferramenta poderosa de forma errada
ou se afirmarmos que, no ser humano, tudo se resume a mente. Eliphas
Levi, o grande ocultista, que nos é bem conhecido e caro em nossos
estudos, em seu famoso Dogma e Ritual da Alta Magia, nos diz
claramente que a mente é como um espelho, que no entretanto, pode
estar sujo ou limpo. O espelho com impurezas é exatamente a mente
desgovernada e repleta de atividades que nos atrapalham. Eliphas nos
diz ainda que a luz Divina está brilhando continuamente mas se o
espelho da mente estiver sujo os reflexos desta Luz pura serão
distorcidos. Assim precisamos purificar o espelho ou a mente, para
ela refletir a originalidade da Luz pura e Sagrada.
Mais
uma vez podemos observar que cada um destes grandes vultos da
Espiritualidade nos falam a mesma coisa com parábolas e metáforas
diferentes. Não vou aprofundar, mas a grande ocultista Blavatsky,
usa a mesma metáfora do espelho para chegar a mesma conclusão do
Eliphas. Portanto, todos estes ensinamentos visam como devemos
proceder para, conhecer, ajustar e modelar a nossa mente, de tal
forma que possamos chegar a experiências de contato com o Divino.
E
é por estas razões que o nosso querido Antônio Olívio Rodrigues,
grande ocultista, fundador da linhagem do Círculo Esotérico e dos
vários Tattwas, junto aos seus companheiros de jornada que não
foram poucos nem sem instrução, decidiram traduzir para nós do
inglês a obra da Emilie Cady, Lições sobre a Verdade, que no
entanto foi veiculada em nosso meio como Curso de Iniciação
Esotérica. Decisão e iniciativa maravilhosas, pois assim nos
trouxeram o que havia de melhor sobre esta prática mística
fundamental, que alicerça todo o edifício da espiritualidade, que é
o “entrar no silêncio”. Pratica que concorda com todos os nossos
modelos de espiritualidade como os já citados, Swami Vivekananda e
Eliphas Levi. Mas não nos esqueçamos do nosso querido Prentice
Mulfor que determina também a busca do mestre interior, salientando
a prática da concentração que é a porta do silêncio mental.
Assim nossa tríade modelar, Prentice Mulford, Eliphas Levi e Swami
Vivekananda dialogam diretamente com os ensinamentos da Emilie Cady.
Entretanto
precisamos salientar que a época de vida da Emilie Cady não foi
exatamente favorável para o universo feminino, Emilie esteve entre
as primeiras mulheres médicas em Nova Yorke, e ocupou uma posição
como escritora decisiva para o chamado movimento New Thougth ou Novo
Pensamento. Emilie foi uma mulher altamente capaz, exemplo para
outras mulheres e claro para os homens também. Entretanto é preciso
enfatizar suas conquistas na qualidade de mulher, pois isto demostra
que a competência, o talento, ou sucesso na espiritualidade, não
tem a ver com o gênero sexual. O Novo Pensamento americano é
exatamente uma nova disposição, liberta de travas e tolices
antigas, pensando um caminho espiritual viável para todos. Talvez
por esta razão, ou seja, por esta abertura, tenham surgido grandes
expoentes mulheres neste movimento. Aqui retomamos o discurso
platônico e percebemos uma luta de séculos e milênios! Pois do
tempo de vida de Platão até Emilie temos milênios! Platão buscou
descrever esta imagem que interpreto como um guerreiro espiritual, e
desde o início de sua reflexão incluiu que isso se aplicava também
a mulher como uma guerreira verdadeiramente capaz. Assim vejo Emilie
Cady, uma guerreira espiritual altamente capaz, cujo combate não é
pela agressão mas pelo amor que regenera. Emilie em seus
ensinamentos deixou muito claro que a ação efetiva é absolutamente
necessária para o caminho espiritual. Ou seja, não devemos esperar
que as coisas aconteçam por si mesmas, precisamos sim lutar para nos
colocarmos nas condições ideais. Os antigos filósofos não ficavam
dentro de um escritório escrevendo, eles procuravam a prática da
vida e as experiências para depois poderem escrever algo de valor.
Neste
sentido, a oração ou o entrar no silêncio são atos
importantíssimos, mas um viver cotidiano que esteja em acordo com
estes atos mentais é absolutamente necessário. Não basta dizer
Verdade, é preciso lutar e proteger a Verdade, como os guardiões
tanto homens como mulheres. A Harmonia deve ser conquistada, pela
persistência em ser correto. O Amor é o próprio exercício que
inclui o outro, ao invés de separar, que respeita e acolhe, ao invés
de criticar e humilhar, e por si mesmo é uma prática difícil e
desafiadora. A Justiça é a reunião de todas as virtudes comentadas
aqui pois deve ser entendida como o ato perfeito. Quem poderia
realizar tudo isso que não guerreias e guerreiros espirituais?
Bendito seja todo este exército de sábios e sábias, mão forte e
lutadora que realiza a espiritualidade. Cada movimento de superação
exercido por estas pessoas concorre para a nossa própria evolução,
são partes de nós, e nós seus continuadores.
Que
a Verdade se faça a partir de dentro de cada um de nós, tal qual um
Sol misterioso e oculto que nos ilumina de dentro! Que esta Luz,
bela, correta, benéfica, sagrada, nos inspire os atos mais nobres,
que são efetivamente a Justiça sobre a face da Terra!
O
Ato Justo Regenera.
Celebremos
então, este aniversário de 99 anos do Tattwa Nirmanakaia, exaltado
todos os esforços por um mundo iluminado pelo Sol da Verdade. E em
especial pela colaboração da Emilie Cady, que nos chegou através
da iniciativa do Antônio Olívio Rodrigues e seus companheiros de
jornada.
Rafael
Wainstok, Rio de Janeiro, 18/10/2025.
Presidente do Tattwa Nirmanakaia.
Presidente do Tattwa Nirmanakaia.
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