Segundo Connie Zweig e Jeremiah Abrams, no livro Ao encontro da Sombra, mais de uma década antes de Freud sondar as profundezas da natureza humana, Robert Louis Stevenson escreveu o caso do Dr. Jekyll e Mr.Hyde, um médico que após ingerir uma substancia, passava por uma drástica mudança de caráter, tão drástica que ele se tornava irreconhecível, realizando atos de maldades que jamais seria capaz de fazer. "O medico e o Monstro" se integrou-se de tal modo na cultura popular que pensamos nele quando ouvimos alguém dizer, "Eu não era eu mesmo", ou "Ele parecia possuído por um demônio", ou "Ela virou uma megera".
Cada
um de nós contém um Dr. Jekyll e um Mr. Hyde, uma persona agradável para o uso
cotidiano e um “eu” oculto e noturno que permanece amordaçado a maior parte do
tempo. Emoções e comportamentos negativos como raiva, inveja, vergonha,
falsidade, ressentimento, lascívia, cobiça, tendências suicidas e homicidas,
que ficam escondidos logo abaixo da superfície, mascarados pelo nosso eu mais
apropriado às conveniências, pertencentes a um território indomado e
inexplorado para a maioria de nós, como a sombras de nosso eu pessoal.
A
própria Connie Zweig, coautora do livro, relata sua experiência pessoal com sua
sombra: “Na meia-idade, defrontei-me com
meus demônios. Muitas coisas que eu considerava bênçãos tornaram-se maldições.
A larga estrada estreitou-se, a luz escureceu. E nas trevas a santa em mim, tão
bem cuidada e tratada, encontrou a pecadora. Meu fascínio pela Luz, meu vivo
otimismo em relação aos resultados, minha fé implícita em relação aos outros,
meu compromisso com a meditação e com um caminho de iluminação — tudo isso
deixou de ser uma graça salvadora e tornou-se uma sutil maldição, um entranhado
hábito de pensar e sentir que parecia trazer-me face a face com o seu oposto,
com o sofrimento de ideais fracassados, com o tormento da minha ingenuidade, com
o lado escuro de Deus. Naquela época, tive este encontro com a minha sombra”
Alguns
pesquisadores entendem que a imagem que um indivíduo faz de si mesmo representa
um fato real e que através desta visão ele mede e cria sua percepção da
realidade, e que desta forma estamos irremediavelmente presos a esta imagem da
realidade. Para muitos deles a distinção entre “normal” e “anormal” depende da
estrutura global e religiosa de uma sociedade.
Marie
Louise von Franz no Livro ‘Reflexos da Alma” no capitulo I, sugere que uma
criança que desenvolveu na infância uma imagem do pai ou da mãe, de forma
especialmente negativa, tende a projetar no futuro esta mesma imagem em todas
as pessoas mais velhas que exerçam de alguma forma papeis semelhantes, como
Superiores hierárquicos, médicos, autoridades e o próprio estado, fazendo
surgir uma espécie de preconceito que irá dificultar muito o seu relacionamento
com estas pessoas. A imagem negativa está armazenada em seu interior e
projeta-se em ocasiões oportunas sobre os objetos exteriores.
Segundo
a autora, não se trata apenas de uma lembrança, mas de um complexo de
características que estão incorporados na própria pessoa, que não apenas
enxerga, mas rejeita e combate estas características nos outros, mas ela mesma
age inconscientemente da forma como ela condena. Assim, um filho que vê o pai
como tirano, projeta nos outros que desempenham papeis de autoridade, a
tirania. Mas sem o saber ele também age
com a mesma tirania que detesta. Não se trata apenas de um mero engano, daquele
que vê nos outros aquelas características, e que poderia ser facilmente
desfeito com algum esclarecimento, mas uma imagem vibrante no próprio indivíduo
e qualquer tentativa de convence-lo ou dissuadi-lo, poderá causar maior
emotividade ou até mesmo uma profunda depressão, caso ele seja convencido de
sua participação neste processo.
Carl
Gustav Jung define a projeção como uma transferência inconsciente,
imperceptível e involuntária de um fato psíquico para um objeto externo, que
tem alguma coisa de semelhante com a imagem interna, capaz de acionar um
gatilho e despertar a reação psíquica, como se fosse um gancho no qual o
indivíduo “pendura” a sua projeção.
No dia
22 de abril no programa da Globo News “Clube dos Correspondentes”, os
correspondentes estrangeiros analisavam a situação do Brasil perante a crise
política e o possível afastamento da Presidente pelo Senado. A questão central
era a polarização da sociedade brasileira dividida em dois grupos contra e a
favor da presidente. O que chamou a atenção sobre a visão dos correspondentes,
foi que embora eles vivam no Brasil e conheçam muito bem a realidade brasileira
a ponto de poderem opinar a apontar sugestões, foi a forma isenta e livre de
emoções com que eles enxergam a realidade, fornecendo uma visão de fora do
problema, sem o envolvimento emocional com que vivemos a situação, que nos leva
a aderir obrigatoriamente a um dos lados.
Referenciando
então as projeções na visão de Jung, percebemos a necessidade que a mente tem
de buscar um olhar de fora para compreender a si mesma e talvez por isso
precise projetar suas sombras em pessoas e fatos externos para que possa vê-los
como em um espelho. Os outros seriam nossos “correspondentes estrangeiros”, com
a diferença que na maioria das vezes não estamos conscientes de que estamos
fazendo uma “entrevista” para buscar a sua visão de realidade, pois isso requer
bastante maturidade do Eu.
Na maioria das vezes projetamos sobre o outro a nossa sombra e colocamos sobre eles toda a responsabilidade de nos dar a resposta que procuramos, mas rejeitamos suas visões que nos mostram uma realidade que não queremos aceitar.
Na maioria das vezes projetamos sobre o outro a nossa sombra e colocamos sobre eles toda a responsabilidade de nos dar a resposta que procuramos, mas rejeitamos suas visões que nos mostram uma realidade que não queremos aceitar.
E como
sugeriu Jung, isso pode acontecer com uma nação inteira. Como disse O Jornal
espanhol “El País” na ocasião, "O
Brasil vive uma catarse coletiva", que parece se confirmar diante da
necessidade da Presidente se dirigir a todo momento aos jornalistas
estrangeiros para buscar adesão a sua causa e fortalecer suas posições.
Seria
esta a nossa crise de meia idade, semelhante àquela que a escritora Connie
Zweig relatou no livro, quando passou por um período negro de sua vida em que
vieram à tona vícios e maus costumes contrastando com sua santidade e pureza da
juventude? Mas como ela mesma disse, foi justamente este processo que revelou a
sua maior riqueza e verdadeira felicidade, pois aquela que se considerava
isenta das sombras do mundo, protegida em uma aureola de santidade passou a
amar as pessoas como elas são e trata-las como indivíduos e semelhantes,
sentindo-se integrada com eles.
Durante
a preparação do seu livro, Connie
Zweig viajou para Bali, onde a batalha entre o bem e o mal
é o tema de todos os teatros de lanterna mágica e representações de dança.
Existe uma cerimônia de iniciação que o balinês faz aos dezessete anos de
idade, na qual seus dentes são limados e nivelados para que os demônios da
raiva, da inveja, do orgulho e da cobiça sejam exorcizados. Depois dessa
cerimônia, o iniciado sente-se purificado, batizado. Ah, a nossa cultura não
nos oferece essas cerimônias de iniciação! Para ela, dar forma a este livro era
uma maneira de mapear a descida e levar uma luz às trevas.”
Recentemente
uma novela tratou deste tema da luta entre o bem e o mal, embora o decorrer da
trama tenha se desviado para o cotidiano e perdido a essência da proposta
original. A abertura da novela “A regra do Jogo”, mostrava pedras pretas e
brancas em um tabuleiro de Xadrez, em um jogo animado lutando umas com as
outras. No final, elas se destruíam umas às outras e se recompunham com os
pedaços espalhados no tabuleiro. Mas as novas pedras tinham as duas cores,
preto e branco, e o jogo recomeçava com pedras maiores e mais fortes. Alguns dos protagonistas da novela tinham
justamente esta característica ambígua, de serem vilões, mas em determinados
momentos se comportavam como heróis e muitos dos heróis caiam em tentação, como
que para mostrar que não existe bem sem mal ou vice-versa.
Mas
própria Connie Zweig, ao concluir suas reflexões no livro Ao encontro da
Sombra, nos traz luz sobre esse tema dizendo “...Depois de um período de grande
desespero, estou começando a perceber um sentido mais abrangente do meu eu, uma
expansão da minha natureza e uma conexão mais profunda com a humanidade. Minha
mãe comentou, há uns vinte anos, no auge da minha arrogância espiritual, que eu
conseguia amar a humanidade, mas não conseguia amar o ser humano enquanto
indivíduo.
Com a
gradual aceitação dos impulsos mais escuros dentro de mim, sinto que uma
compaixão mais genuína cresce em minha alma. Ser apenas uma pessoa comum, cheia
de anseios e contradições — isso já foi um anátema para mim. Hoje, é uma
experiência extraordinária. Busquei uma maneira simbólica de deixar nascer a
minha sombra, para que a minha vida exterior não se desfizesse e para que eu
não precisasse pôr de lado esse modo de vida criativo que tanto amo.
Nos
sonhos uma parte mais profunda de nossa mente nos fala através de uma linguagem
própria que podem ser por imagens, sons e até mesmo aromas, utilizando os
materiais que dispõem para expressar aquilo que tem em seu interior, nesta busca
do autoconhecimento. Estas linguagens são como placas de impureza que se soltam
aos poucos do fundo do lago inconsciente para serem purificadas pela
compreensão.
O
processo vivido pela escritora Connie Zweig, pode muito bem ser entendido como
um destes períodos em que uma grande quantidade de matéria oculta do lago
inconsciente vem à tona levando a uma vivencia dolorosa ao entrar em contato
com uma realidade sombria até aquele momento desconhecida pela consciência,
conhecido como “a noite escura da alma”
Mas o
que talvez o que muitos não perceberam ainda é que se projetamos as imagens de nosso
interior para as coisas e as pessoas para nos curar de nossas sombras, talvez o
que aconteça com estas coisas e pessoas se reflitam também diretamente dentro de nós,
atuando como uma projeção também de fora para dentro, como em um espelho,
afetando e modificando nossas próprias percepções da realidade.
Fontes :
O Encontro com a Sombra - Connie Zweig e Jeremiah Abrams Editora Cultrix
Imagens que curam - Dr. Gerald Epstein - Editora Imago
Reflexos da Alma - Marie-Louise Von Franz - Editora Cultrix - Pensamento
As Sete Etapas de Uma Transformação Consciente - Gloria D. Karpinski - Ed. Pensamento
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Nossa sede é na Rua Campos Sales, 38, Tijuca Rio de Janeiro. Temos palestras públicas toda segunda feira as 19hs.
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Sempre acreditei que os melhores ensinamentos na vida proveem das pessoas que, à principio, nos parecem incapazes de colaborarem com o nossa conquista. Teríamos um balanço muito positivo, caso se dessem conta disso.
ResponderExcluirVitor,
ExcluirObrigado por suas valiosas reflexões.
Penso que é como um jogo, que poderia ser como o frescobol onde um envia ao outro a bola bem colocada e o jogo e o relacionamento entre os parceiros fica agradável e duradouro. Mas muitas pessoas não sabem jogar este jogo e preferem transformar o parceiro em adversário e jogam o ping-pong, onde a graça é dar uma cortada e tirar o adversário do jogo.
Abs
A vida nos ensina desde cedo a sermos competitivos e o espírito colaborativo ou ensinar sem segunda intenção é sinal de fracasso. Mas que temos mais pessoas dispostas a ficar com os louros dos outros que suar a própria camisa é bem verdade.
ExcluirMarcia,
ResponderExcluirmas ainda bem que podemos fazer uma escolha e como disse Chico Xavier, podemos começar de novo e fazer uma nova historia, não é mesmo ?
João, a questão do autoconhecimento grita neste texto. Acredito que a busca pelo conhecimento de si mesmo seja a grande solução para o problema da humanidade.
ResponderExcluirComo me tornar um ser melhor se Eu não sei quem sou?
Como amar ao próximo se Eu não me conheço? E, se não me conheço, não posso conhecer o outro. E, desta forma, como amá-lo?
A nossa luta com as nossas sombras é algo extremamente positivo na medida em que, se lutamos contra elas é porque as admitimos em nós. E, sendo assim, podemos tratá-las. Mas, sem o pesar que nos toma o Ser ao reconhecê-las em nós. E, sim, com a serenidade daqueles que estão a crescer.
Em quase todas as minhas falas ressalto a importância de nos conhecermos. E este autoconhecimento se inicia pelo exterior. Se Eu não conheço o meu Ser físico, como chegar ao meu Eu Interior?
Helenildes,
ResponderExcluirPenso que este é um grande desafio para todos os seres, mas nem todos estão maduros para enfrentar sua realidade. Por um tempo precisamos agir como criancas e usar máscaras e personagens. Raul Seixas na sua música maluco belza, dizia que prefere ser um maluco beleza do que ser "um sugeito normal". Obserando como as pessoas se acostumam com suas loucuras e tornam isso normal nos perguntamos se afinal não seríamos de uma certa forma todos um pouco loucos ao nosso modo?
Abs
Mas...o que é loucura?
ResponderExcluirDe fato é um grande desafio. Por isso, belo! Conhecer a si mesmo é uma bela loucura, mas que um dia será realizada. Afinal, somos todos Anjos! Ainda rebeldes, mas alcançaremos o nosso destino de Seres Iluminados!
João, um ótimo texto que nos faz pensar em como estamos lidando com as nossas sombras.
ResponderExcluirGeralmente fazemos um esforço tremendo para não expor as nossas sombras, mas como estamos aqui para cura-las, a vida se encarrega de colocar as armadilhas no nosso caminho e de repente aquilo que estava amordaçado vem à tona.
Quantas vezes tivemos atitudes que nos arrependemos depois? Atitudes que nos encheram de culpas ou que prejudicaram alguém?
Penso que nossas sombras, são os nossos Karmas. Temos que conhecer e enfrenta-los.
Sempre culpamos, os nossos pais, nossa família, o outro por sermos assim ou assado. Dificilmente admitimos que fomos nos mesmos que escolhemos como seremos e com quem viveremos a nossa história. Nós somos o autor da nossa história.
Tive a grande oportunidade de entender as minhas sombras no meu mapa numerológico e atualmente pude, através de regressões a vidas passadas, ver como tudo começou.
Agora é trabalhar para me juntar ao meu inimigo e assim vence-lo.
Grande abraço.