O Ano Novo Astrológico e a Babilônia
Um farol perante o mar, emitindo a sua poderosa luz, permite que os navegantes encontrem um ponto de referência, para saberem para onde estão indo. Assim como, uma bússola com a sua agulha apontado para o norte, também estabelece um referencial, para quem viajar seja pelo mar ou pela terra. Estes pontos de referência, verdadeiros marcos fixos, permitem uma compreensão e orientação para com o espaço. Contudo, também se pode considerar os grandes ideais, tais como a regra de ouro: o "Amar ao próximo como a ti mesmo". Como referenciais fixos, através dos quais, enquanto seres individuais, podemos refletir e tomar nossas decisões. Aqui estamos propondo a reflexão, de que, para que o ser humano exerça a sua liberdade ele precisa de um ponto de apoio fixo. Analogamente, toda construção sólida precisa de um bom fundamento. Para termos a liberdade de falarmos o que desejarmos em uma determinada língua, primeiro precisamos aprender esta língua, ai depois podemos falar. Há, portanto, uma profunda relação entre a regra e a liberdade, o fixo e o movimento. Seguindo este raciocínio, existem muitos tipos de referências pelas quais a sociedade humana se constrói, boas e más. Contudo, certas referências são mais significativas, mais fundamentais, e permanecem para além das civilizações e do tempo. Neste sentido, justamente, o marco que determina o início de algo parece ser sempre de grande importância. Então, a data do nascimento de um ser humano ou a data do início de uma civilização, sempre vão ter algo importante a nos revelar. Pois este momento inicial pode ser entendido como a semente do processo que se desenvolverá.
Na astrologia do tipo ocidental, que tem suas bases em antigos documentos gregos. Os signos do Zodíaco são a expressão de um ciclo anual, onde o nosso belo planeta Terra faz o seu caminho em torno do nosso astro-rei, o Sol. Deste ciclo, se originam os nossos 12 signos, que, por sua vez, nos revelam uma história de desenvolvimento onde cada signo é uma etapa e um importante significado. Aqui podemos retornar a ideia de começo, entendendo que este momento inicial, é o alicerce do próprio processo do Zodíaco, é a sua base, sua fundamentação, sem a qual ele sequer existiria. O primeiro signo do Zodíaco, Áries, é interpretado exatamente neste sentido, sendo uma força poderosa, capaz de iniciar um novo processo no mundo em que vivemos. É, portanto, uma capacidade executiva relacionada com os inícios. No entretanto, não há dúvida, que todo poder que é colocado na mão dos seres humanos, poderá ser usado de uma forma sábia ou ignorante. Por conseguinte, do ponto de vista da vida humana, sendo interpretada como uma jornada evolutiva, é natural que o ser humano aprenda gradativamente a forma correta de usar uma força. Passando, em função de suas experiências, muitas vezes dolorosas, da ignorância para a sabedoria.
A intenção desta presente reflexão, é procurar entender a importância do início do zodíaco. E como temos doze signos, que equivalem ao período de doze meses, temos, então, um ano astrológico. E o mais importante, o marco do início deste ano. O Ano Novo Astrológico! O grau zero de Áries é determinando por um fenômeno chamado equinócio, que este ano ocorre no dia 20 de março. Sendo que, equinócio, é uma palavra que significa literalmente noite igual, e designa um fenômeno que se manifesta em dois momentos distintos durante o ano, ou em dois dias espaçados por seis meses. Nestes dias especiais, a duração do período noturo, sem luz, é igual, a duração do período diurno, com luz.
Estamos, então, diante deste marco do início do ano astrológico. E, para entendermos um pouco mais sua significação, vamos viajar para as civilizações da antiga Mesopotâmia. Lembrando que os gregos desenvolveram a tradição astrológica ocidental, a partir do que receberam dos mesopotâmicos. O conhecimento histórico existente em nossa época, sobre as antigas civilizações desta região, nos revela que existiram importantes festivais religiosos, comemorados, justamente, nas datas dos dois equinócios anuais, um em março e o outro em setembro. A mais antiga referência sobre estes festivais datam aproximadamente de 2500 A.C.. E os estudos apontam que a antiga cidade sumeriana de Ur poderia ser o berço da tradição destes dois festivais religiosos, onde o festival realizado no equinócio de março, marcava, de fato, o ano novo. Existem diversos documentos fragmentados falando sobre estes festivais. Contudo, é da antiga Babilônia que nos vem uma detalhada descrição, embora incompleta, dos procedimentos realizados durante 12 dias, dedicados ao festival do equinócio de março, então chamado Akitu. Naturalmente, do ponto de vista da análise histórica, este é um assunto complexo, e, o que pretendemos aqui é refletir sobre três importantes características deste festival religioso, que marcava o início do ano na Babilônia.
Um primeiro ponto de grande importância é o de que a cidade da Babilônia possuía uma divindade máxima, Marduk. Esta divindade, na forma de uma escultura, saia da cidade em procissão e habitava durante um curto período de tempo, em uma casa especial, para depois poder retornar para o seu templo na cidade. A divindade significa a ideia de ordem e fundamentação de toda esta sociedade, e a momentânea saída determina um mergulho no caos, para que a própria divindade possa retornar e triunfar sobre este mesmo caos. É um momento onde a sociedade é recriada, onde os seus fundamentos são reafirmados. O segundo ponto, é que, na literatura espiritual desta época, há um texto que atualmente chamamos de Épico da Criação, o Enuma Elish, título que designa as suas duas primeiras palavras, que significam, "Quando no alto". Este texto que descreve a luta entre Marduk e as forças do Caos, figuradas pela divindade Tiamat, era recitado pelo Sumo Sacerdote, diante da escultura de Marduk, sendo, assim, uma das etapas do festival. Fato este, que consolida o simbolismo desta celebração como a luta entre a ordem e o caos. O terceiro ponto, é um momento onde o Sumo Sacerdote conduz o Rei da Babilônia diante do deus Marduk. Primeiramente o Sumo Sacerdote dá um tapa na cara do Rei, para depois retirar os objetos típicos do Rei, tais quais, coroa e cetro. Em seguida puxa o rei pela orelha e o faz se ajoelhar perante Marduk, e, neste momento, o Rei deve se justificar diante da divindade, relativamente ao ano que passou. Então, o Sacerdote o levanta, o reconduz ao seu lugar original, restitui os seus objetos de realeza e dá ainda mais um tapa em seu rosto. Circunstância na qual o Rei deve chorar sinceramente, caso contrário Marduk não o auxiliará ou não o renovará como seu Rei, neste novo ano. Neste ritual, fica clara a crença de que o poder do Rei vem de uma instância superior, a divindade Marduk, o que determina a ideia do Sagrado para os antigos babilônios. Sendo que, a manutenção deste poder nas mãos do soberano, dependem de sua correta conduta para com o deus e o seu povo. Todo este contexto nos fala sobre a consciência de que a ordem deve se estabelecer sobre o caos. E, sobretudo, de que este momento inicial, deve ser vivido com uma profunda consciência da responsabilidade, sobre o poder recebido destas Forças Superiores. Pois, em última análise, são as escolhas corretas, fruto da própria noção de responsabilidade, que farão prevalecer a ordem.
Portanto, que este equinócio de março, seja vivido por cada um de nós, como um momento Sagrado. Um marco especial, um Farol Divino, nos apontando a reflexão sobre as graças que recebemos e o modo como as utilizamos. Que contemplando este ponto fixo, possamos realizar a nossa transformação pessoal. Compreendendo os erros do passado para não mais os manifestar. Celebremos o Equinócio, celebremos o grau zero de Áries, celebremos o Ano Novo Astrológico! Que cada um de nós, possa usar o Poder Sagrado do Começo, de forma nobre e correta. Sempre no auxílio ao próximo, buscando realizar a Fraternidade Humana!
Nas próximas postagens traremos mais sobre esse assunto.
Rafael Wainstok
Todos interessados nos assuntos sobre a Mesopotâmia, em especial nos conteúdos tratados neste texto. Podem consultar as referências que utilizamos com grande proveito.
História das Crenças e das Ideias Religiosas, Volume I, Mircea Eliade, Zahar.
The Cultic Calendars of the Ancient Near East, Mark E. Coen, CDL Press (Este é um livro especial, referência incontornável para a compreensão dos festivais religiosos mesopotâmicos).
Comentários
Postar um comentário
Gostou do texto?
Comente e compartilhe