O psicanalista Erich Fromm, em seu livro Psicanálise e Budismo Zen, afirma que “a consciência do homem médio é essencialmente uma “falsa consciência”, consistindo em fingimentos e ilusões, enquanto justamente aquilo de que ele não tem consciência constitui a realidade”.
O processo evolutivo do homem tem por finalidade fazer com que ele alcance a verdadeira consciência, através da perfeita união entre a Alma e a Personalidade ou o Inconsciente com o Consciente. Assim se expressa Angela Maria La Sala Batà, em seu livro O eu e o Inconsciente.
A autora, porém, ressalva que não é fácil alcançar esse ideal, já que, segundo ela, oscila-se por muito tempo entre um extremo e outro, antes de se atingir o equilíbrio perfeito. A demora e os retrocessos são atribuídos à submissão às regras impostas pela sociedade que nos condiciona a falsas verdades, e nos obriga a criar um falso “eu”, alimentado por acomodações e compromissos, automatismos e hábitos.
Esse comportamento, que se faz presente na grande maioria da raça humana, provoca um mal-estar desconhecido, traduzido por um inexplicável desconforto, que é resultante de um alienante afastamento das raízes autênticas de cada criatura humana. Essas raízes estão relacionadas às nossas potencialidades mais altas, que nos põem em contato com o Inconsciente Espiritual.
Desse modo, cria-se uma situação paradoxal, uma vez que aquilo que se chama de “consciência” é, na verdade, uma “falsa consciência”, fabricada e ilusória, enquanto que o que é considerado “inconsciente” esconde o verdadeiro ser, a sua autenticidade.
A verdadeira identidade, o autêntico “eu”, é inconsciente e, quando tenta se exprimir é, na maior parte das ocasiões, impedido pela falsa consciência, pelo falso “eu”, que, à semelhança de uma máscara, encobre o semblante do verdadeiro ”eu”. Em nossos estudos numerológicos, costumamos denominar esse ato de disfarce da verdadeira personalidade de colagem, simbolizando a ação de colar uma máscara sobre o rosto para esconder a verdadeira face.
A personalidade já é por si a máscara que encobre a alma, e essa outra máscara, que encobre a personalidade, não passa de um disfarce, de uma fuga da realidade, de uma busca na fantasia por uma pretensa identidade, que não condiz com a personalidade, e muito menos com a alma.
Todos nós nascemos livres, espontâneos e autênticos, sem nenhum condicionamento externo que interfira em nosso modo de pensar e sentir. A criança é instintiva, desinibida e verdadeira, apesar de não ter consciência do seu verdadeiro eu.
Ela não se diferencia das outras pessoas, pelo fato de ter uma consciência cósmica, que a faz sentir-se ligada a tudo e a todos, numa autêntica integração espiritual, que na tradicional filosofia chinesa era reconhecida como a presença do Tao em tudo que existe. Por isso, a infância oferece as condições ideais para a aquisição de conhecimentos e o desenvolvimento de talentos. Mas, por outro lado, facilita toda sorte de influências e condicionamentos, transmitidos de acordo com as pressões exteriores, recebidas através dos pais, dos ambientes, da educação e da sociedade em que vive.
Em função dessas influências, à medida que cresce e se relaciona com pessoas e ambientes, a criança, sem se dar conta, reprime a sua verdadeira natureza e disfarça a sua legítima identidade, e acaba por construir um “eu” fictício, como se fosse um personagem que recita o seu papel.
Mais tarde, já na idade adulta, a ansiedade por conquistar uma posição no mercado de trabalho e inserir-se na sociedade continua obrigando o indivíduo a se reprimir e a seguir as exigências coletivas, desprezando as suas vocações próprias. Assim, a máscara se consolida e a separação dele da verdadeira personalidade se torna cada vez mais profunda.
O seu verdadeiro “eu”, a alma, porém, permanece viva, e insiste em se manifestar, pressionando a personalidade continuamente, obrigando-a a se questionar diante da sua falsa identidade e instigando-a a arrancar as máscaras, que, a certa altura da vida, são de várias e de múltiplas facetas.
C. W. Leadbeater, em seu livro Os mestres e a Senda, nos fala de sete planos de existência, que são subplanos do Plano Cósmico Inferior. A Mônada pode descer somente até o segundo destes subplanos, que por isso é chamado de Plano Monádico. Para entrar em contato com a matéria mais densa, a Mônada irradia uma porção de si através dos dois planos imediatamente inferiores, e a essa porção da Mônada chamamos de ego ou alma.
A alma, uma pequena e parcial representação do Espírito, não pode descer abaixo da parte superior do plano mental, e para que possa se relacionar com os planos ainda mais inferiores, ela tem de projetar uma porção de si, que se constitui na personalidade. Essa personalidade que a maioria das pessoas toma por seu verdadeiro ser, não é mais que o fragmento de um fragmento.
A resistência oferecida pela personalidade, diante das exigências da alma, deve-se ao fato de que o lado consciente da criatura humana, na maioria das vezes, não deseja reconhecer ou não quer se acostumar com os valores sugeridos pelo inconsciente.
A personalidade, diante disso, não consegue conectar-se com a alma, ou, melhor seria dizer, reconectar-se com o passado, que se encontra registrado nos arquivos da alma. Esse passado é formado por nossos instintos atávicos, ocultos no inconsciente, e que mesmo não sendo observados em algumas encarnações, estão sempre vivos e exigentes, prontos a se manifestar a qualquer momento.
Esses instintos, na maioria das vezes, mesmo sem ser reconhecidos por nossa consciência têm uma profunda e inegável influência sobre nosso comportamento e nossas tendências. A psicanálise reconhece-os como heranças genéticas, mas em nossos estudos eles podem ser identificados como as heranças espirituais, que surgem nos mapas numerológicos em posições dos sobrenomes materno e paterno.
Além dessas influências familiares, devem ser consideradas todas as experiências kármicas individuais de outras vidas, que têm sido acumuladas pela alma, ao nascer em inúmeras e diferentes famílias. E, por fim, acresça-se a essas heranças de outras vidas, os eventos ocorridos nesta vida desde a infância, em forma de lembranças, sofrimentos, traumas e todas as sensações que se imprimiram no inconsciente.
A autora do livro O Eu e o Inconsciente sugere chamar essa área do inconsciente de “inconsciente inferior”, onde se originam os complexos, os distúrbios e as manifestações patológicas denominadas neuroses. Entre esse inconsciente, ligado à Alma, e a consciência, relacionada com a Personalidade, a comunicação não é nada fácil, por existir um espesso diafragma que dificulta essa relação.
Esse diafragma é criado por nós mesmos, inicialmente pela repressão, e a seguir, por um mecanismo automático de remoção. Eis, então, que surgem as máscaras de que falamos anteriormente, a que conceituamos chamar de colagens, para não confundi-las com as verdadeiras máscaras da alma, as personalidades, palavra originária do latim “persona” que se traduz por máscara.
A nossa Personalidade, portanto, carrega em si um passado gravado no fundo do inconsciente. Se ele existe, existe também um futuro - o superconsciente, formado por todas as faculdades, qualidades mais elevadas e possibilidades mais altas, que ainda não chegaram à superfície da nossa consciência comum.
Em determinados momentos, esse “futuro” se torna “presente”, e se revela mediante impulsos elevados, sentimentos nobres e altruístas, atos de sacrifício e heroísmo, intuições, inspirações e estados de consciência alterados, que em situações normais não ocorreriam.
Jung também teve oportunidade de observar esses aspectos mais elevados do inconsciente, em pessoas de meia-idade, que, quando eram reprimidos, provocavam sofrimentos e incômodos. Victor Frankl denominou essas reações de “neuroses noógenas”, como derivadas da repressão das exigências espirituais.
Nós identificaremos situações semelhantes nas Personalidades que se negam ao cumprimento da Missão, e que acabam por sofrer toda espécie de distúrbios, desde o espiritual, até passar pelo psíquico e atingir o físico. São os casos em que perceberemos que a Alma inspira a Missão, mas a Personalidade insiste em conquistas imediatistas, simbolizadas por ganhos financeiros e manipulação do poder.
Simultânea e paralelamente a esse inconsciente pessoal, Jung identificou também um inconsciente coletivo, uma espécie de psique coletiva de toda a humanidade, unindo os homens em contínuo e misterioso intercâmbio de energias, informações, influências, experiências e mensagens telepáticas. Essa psique universal seria o que os antigos alquimistas e místicos chamavam de Alma do Mundo.
A base dessa afirmação está na crença de uma interação constante e permanente das energias circulantes em toda a humanidade. A tese, no entanto, não nega a necessidade dos resgates individuais dos karmas, dentro do processo de evolução dessa imensa Alma do Mundo, que reúne em si o somatório de todas as almas humanas.
A Personalidade é o veículo da Alma humana para o resgate kármico e a contínua evolução da Alma. Mas, para isso, ela terá de interagir com a Alma, seguir os seus ideais e aceitar as suas exigências, para que se cumpra a Missão, quando se dá uma expansão espiritual da Alma, já direcionada para os objetivos evolutivos da próxima Missão.
E para que esse passo evolutivo venha a acontecer, é preciso conhecer todos os níveis de consciência de que nossa Personalidade é formada, a fim de que se possa transformar o “eu limitado” dessa Personalidade, em consciência livre e inclusiva da nossa verdadeira essência, a Alma.
Essa inclusão da Personalidade à Alma é a meta para a qual tende inconscientemente toda a humanidade, insuflada e instigada pela ligação que todos têm com o Espírito, a consciência divina presente na criatura humana. E para tanto, é indispensável que os ideais da Alma e os impulsos da Personalidade se amoldem ao conteúdo de cada Missão, o que deverá ir ocorrendo em função do amadurecimento da Personalidade.
Desvios de rumo, acomodações, ambições desmedidas, autoritarismos e atitudes egoístas serão entraves permanentes ao cumprimento da Missão, que, apesar de provocados pela Personalidade, serão absorvidos pela Alma, e repercutirão nas encarnações seguintes. Não há como desconhecer que, apesar de duas consciências distintas, Alma e Personalidade formam uma entidade uma, inseparável, de dependência parcial e ilusória somente para efeito didático.
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